4 de julho de 2013

Corpus Christi em Orvieto e o “Milagre de Bolsena”


Na praça em frente à Catedral de Orvieto, o povo aguarda com admirável tranquilidade o início da Procissão de Corpus Christi
§ Paulo Roberto Campos

Como prometi no post anterior [Explicação], brindo aqui nossos leitores com fotos feitas em Orvieto na festividade de Corpus Christi deste ano. 

No Brasil, a data — que é dia Santo de Guarda e feriado nacional — é comemorada sempre nas Quintas-Feiras após a celebração do dia da Santíssima Trindade. Mas na Itália, devido à suspensão de certos feriados religiosos nos dias de semana, ela é comemorada no Domingo.  


"A mais bela fachada da Cristandade" 
Sobre um platô a 300 metros de altitude, tendo a seus pés uma planície repleta de belos vinhedos, Orvieto, com um pouco mais de 20 mil habitantes, fica mais ou menos a 100 km de Roma. A cidade possui notáveis monumentos medievais, sendo o mais importante o Duomo — o “Lírio das Catedrais” [foto]. Sua frente foi definida por Plinio Corrêa de Oliveira como "A mais bela fachada da Cristandade". Dedicado à Virgem Santíssima, é uma obra-prima da arte gótica italiana, floreado por preciosos mosaicos e baixos relevos, além de afrescos de Fra Angélico e Luca Signorelli. 

Sua construção teve início em 1290, por iniciativa do Papa Urbano IV, para que fosse um grandioso escrínio no qual ficasse dignamente conservado e venerado o “Milagre de Bolsena”. 

— Que milagre é esse? Encontrei sua narração no livro “Leituras Eucarísticas” (Editora Vozes, 1935), do Frei Mariano Wentzen. Eis um resuminho: 

Entre os milagres realizados pela Santíssima Eucaristia, o de Bolsena é o mais conhecido, pois está na origem da festa de Corpus Christi (ou Corpus Domini, o Corpo de Cristo). Em 1263, o Padre Peter de Praga empreendeu uma viagem desde sua região (a Bohemia) até Roma. Ele era um sacerdote piedoso, mas desejava revigorar sua fé em Roma e pedir ao Papa alguns esclarecimentos e expor-lhe dúvidas que tinha a respeito da doutrina da transubstanciação — durante a missa, na consagração, ocorre a mudança da substância do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo (permanecendo, contudo, sob a aparência de pão e de vinho). 

Chegando à cidade de Bolsena, o sacerdote celebrou a Missa na Igreja de Santa Cristina. Foi esta a última vez que as dúvidas de fé sobre a presença real de Jesus na Santíssima Eucaristia o atormentaram!  

No momento da consagração do pão e do vinho, logo após a elevação do cálice, o preciosíssimo Sangue começou a borbulhar, transbordou, e gotas derramaram-se sobre o corporal (tecido de linho branco que fica debaixo do Cálice), tingindo-o de sangue. 

Assustado com aquele inexplicável acontecimento, o sacerdote primeiro procurou esconder o sagrado corporal, pois julgava que isso ocorrera em castigo por suas dúvidas. Mas o sangue transpôs o linho e quatro gotas caíram sobre os degraus do altar, deixando impressos sinais evidentes de sangue. 


O Sagrado Corporal levado num andor na
procissão de Corpus Christi em Orvieto
Não podendo mais ocultar o milagre, foi à procura do Papa Urbano IV — que se encontrava em Orvieto, cidade bem próxima de Bolsena — para se confessar e narrar o acontecido. Assim, o Papa mandou trazer à sua presença aquele corporal e ordenou uma apuração meticulosa, que resultou na comprovação inequívoca do milagre. 

Daí a edificação da Catedral de Orvieto para a guarda e veneração do Sagrado Corporal [foto] — objeto de grande devoção não apenas na Itália, mas de pessoas do mundo inteiro que para lá se dirigem. Quanto ao mármore sobre o qual pingaram gotas do preciosíssimo Sangue, conserva-se até hoje na Igreja de Santa Cristina de Bolsena, onde ocorrera o grande milagre. 

No ano seguinte ao “Milagre de Bolsena", Urbano IV estendeu a toda a Igreja Católica a Festa de Corpus Christi — com a bula Transiturus de hoc mundo, de 11 de agosto de 1264 —, que já era de certo modo celebrada internamente na Igreja de Saint Martin, em Liège (Bélgica), com o nome de “Fête-Dieu”, por iniciativa de Santa Juliana de Mont Cornillon. 

Aquele Pontífice estabeleceu também que a Festa de Corpus Christi fosse de modo solene e publicamente celebrada nas Quintas-Feiras após o dia da Santíssima Trindade. O dia escolhido é em memória da celebração da primeira Missa por Nosso Senhor Jesus Cristo, na última ceia com os Apóstolos, na Quinta-Feira-Santa, quando Ele tomou o pão, benzeu-o e o partiu; deu aos discípulos dizendo: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. Depois, tomando o cálice, deu graças e ofereceu dizendo: “Bebei dele todos; porque isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, que será derramado por muitos para a remissão dos pecados”.(Cfr. Mt. 26, 26-28). 

A partir dessa determinação do Papa Urbano IV, uma solene procissão se realiza todos os anos pelas ruas de Orvieto. Atualmente quase 1000 personagens em trajes medievais, representando as diversas classes sociais (desde a alta nobreza, passando pelos cavaleiros, pelos homens de justiça, pelas confrarias de estudantes e pelas corporações até o povo miúdo) desfilam em homenagem ao Sagrado Corporal e ao Santíssimo Sacramento. 

O histórico e solene desfile é dividido por quatro bairros da cidade, cada um com suas bandeiras e cores próprias. Muitos dos hábitos medievais usados no cortejo são confeccionados em riquíssimos tecidos, alguns de seda e veludo, outros bordados em ouro e prata — como se pode observar nas fotos. Alguns trajes são verdadeiras obras de arte confeccionados pela célebre “Manifattura LISIO”. 


Dando um brilho ainda mais especial ao cortejo, observamos brasões e armas das famílias nobres da cidade, bem como armaduras, escudos, capacetes feitos cuidadosamente à mão por armeiros de renome. 

Esta é a cerimonia, ao mesmo tempo carregada de charme e sacralidade, da procissão de Corpus Christi de Orvieto, que tive a graça de assistir no dia 2 de junho último e que apenas mencionei no post anterior — certamente, a mais bela procissão do gênero que se realiza no mundo.
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[Click na 1ª imagem para percorrer a "galeria" de fotos. Para isso use a setinha direita do teclado]
Após a realização da solene cerimonia da Exposição do Santíssimo no interior da Catedral...
... corneteiros anunciam o início da procissão de Corpus Christi pelas ruas da cidade
Os participantes começam a sair do interior da Catedral
Representantes dos Cavaleiros

Escudeiros
Capitão representante do poder militar
Inicio do desfile das Corporações de Artes e Ofício
Diversas confrarias começam a desfilar pelas ruas da cidade
Início do desfile dos representantes do povo medieval


Vários gonfalões, magníficos como este acima, também são levados no solene cortejo

Senhoras com belas mantilhas fazem parte do cortejo 
Cortejo do clero
Na porta principal da Catedral surge o Sagrado Corporal sob um precioso pálio
Com o Sagrado Corporal na procissão pelas ruas da cidade, a Catedral fica quase vazia...
... enquanto os participantes desfilam pelos bairros e o povo assiste desde as calçadas e janelas

O Executor de Justiça
Três dos sábios conselheiros de Orvieto
Desfile das corporações de ofício, precedidas por tamboreiros...
... tocadores de gaita de fole...
... alabardeiros...
... espadeiros...
... cavaleiros...
... o povo medieval...
... carrinho de bebê medieval?

Durante toda semana as casas ficam adornadas por estandartes e flores



Tendo percorrido os bairros, os participantes começam a retornar, formando-se frente à Catedral

Damas da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro, esperam...

... o retorno do Sagrado Corporal. Dois Carabinieri, em uniforme de gala, fazem sua guarda




Encerramento com a Benção do Santíssimo Sacramento
Os participantes acompanham a recolocação do Sagrado Corporal em sua capela onde fica para veneração dos fiéis
"A mais bela fachada da Cristandade"
A Catedral vista desde a Torre del Moro

4 comentários:

Vânia Luz disse...

Muito lindo o vilarejo.
O desfile dos representantes do povo medieval, caiu muito bem ao cenário.
Paz!

Blanca disse...

Que lindo!!!!! gracias por regalarnos con una historia muy interesante y muy lindas imágenes.

Anônimo disse...

Que Deus dê força a esse povo para preservar tão linda manifestação e legado da Santa Igreja Católica. Principalmente numa Europa Babilônica por conta de desgovernos socialistas já por décadas.

Néstor disse...

Tive a graça de estar lá, por ocasiao dessa mesma festividade. Mas este esplendido conjunto fotográfico ajudou enormemente em apreciar diversos pormenores. Pois é tao maravilhoso que a atencao da gente fica solicitada para tanta coisa ao mesmo tempo q é necessario uma certa distancia depois para aproveitar melhor esse espetaculo de Fé e de arte... para nao falar do Duomo!