23 de dezembro de 2013

Retorno do Divino Infante aos lares de cada família católica

Nossos Natais vêm sendo lamentavelmente cada vez mais laicizados. Substituem-se por figuras e temas neopagãos os fatos sublimes ocorridos há pouco mais de dois mil anos em torno do maior acontecimento não só da Cristandade, mas de toda a História, o nascimento de nosso Divino Redentor em Belém. 

As graças e bênçãos que tanto impregnavam os dias precedentes e posteriores às comemorações do Natal são relegadas em favor de uma festividade meramente comercial, que gira em torno de compras e presentes, na qual a figura laica de um Papai Noel vai aos poucos substituindo o Presépio com o Menino Jesus — símbolo por excelência do Natal católico e que constituía a alegria de crianças e adultos.

Com o desejo, que é uma suplica, de que o Divino Infante retorne a todos os lares, para que todas as famílias vivam um Natal ainda mais abençoado e impregnado pelas graças de Jesus, Maria e José, Catolicismo publica nesta edição natalina uma história verdadeiramente impressionante, reveladora do poder da fé católica. 

Ela transcorreu pouco antes do Natal de 1956, no dia 17 de dezembro, na Hungria, quando aquela nação se encontrava ainda subjugada pela bota do regime comunista. O narrador é um sacerdote húngaro, expulso de sua paróquia pelos dominadores marxistas. Ele a escreveu após colher depoimentos de várias testemunhas, e jura não ter encontrado contradições nas respectivas narrações que colheu. O texto abaixo é transcrição de matéria de autoria de Maria Minovskca, estampada na revista “Magnificat” (Ano XVI, Nº 2, fevereiro/março de 1966) de Braga, Portugal.


Fonte: Revista Catolicismo, Dezembro/2013

“VEM, MENINO JESUS!” 

O Padre Norberto, testemunha da insurreição na capital
húngara, Budapeste, em 1956, fora um dos últimos fugitivos a chegar ao campo de refugiados húngaros. Seu aspecto revelava ainda as privações, as insônias e as provas terríveis por que passara. Tinha as feições crispadas e endurecidas, e nos seus olhos havia uma expressão de fria revolta. Olhando-o, compreendi o choque psicológico que a derrota lhe causara.(*)

Ele chegava da fogueira horrível onde se queimara a seiva ardente de almas sedentas de liberdade e de independência. Nós éramos os que, na retaguarda, nada tínhamos feito. Como começar? Como interrogá-lo? Como quebrar esse ressentimento hostil, que o seu rosto nos transmitia? Tateando, eu lhe fiz meu pedido: 

— Conheço a tragédia que lhe esmagou a alma, e não quero reavivá-la. Mas peço-lhe que me fale da resistência espiritual do povo húngaro, da sua vivência, a despeito da derrota... 

Transcrevo a seguir, com suas próprias palavras, o depoimento do Padre Norberto. 
Vivi horas de esperança e de terror, mas o que mais me impressiona não é o sacrifício heroico dos adultos, e sim a coragem, a resistência das crianças, a grandeza das suas atitudes e das suas palavras. Dão lições aos grandes, e em seguida permanecem pequeninos, simples, humildes. 

Eu poderia contar-lhe o que se passou na escola da minha paróquia. Mas para quê? Contar um milagre é, tantas vezes, despertar os sorrisos de vã superioridade de uns ou a incredulidade de outros. Crentes ou descrentes nos escutam, tanto uns quanto outros esquecidos de que o milagre é uma manifestação do poder divino. 

Na escola da paróquia da qual fui expulso deu-se um fato surpreendente. O que aconteceu não poderia ser a alucinação coletiva de trinta e duas crianças e da sua professora, mas tem que ser aceito como um fato. 

Gertrudes, a professora da escola, era uma ateia militante. Todas as suas lições giravam em torno da impiedade e da negação de Deus. Tudo lhe servia para denegrir, ridicularizar ou conspurcar a nossa Religião. O seu programa de ensino era simples: arrancar da alma das crianças a fé e formar legiões de pequeninos “sem Deus”. As crianças, intimidadas, não ousavam defender-se. No entanto, as suas famílias eram católicas e profundamente crentes nas suas práticas religiosas. 

Eu era o cura da igreja paroquial, e reunia essas crianças para as lições do catecismo. Na Hungria, como nos outros países além da “cortina de ferro”, o ensino é assim: na família, na igreja, luta-se para que a crença não se perca, mas nas escolas semeia-se e impõe-se o ateísmo. Como pode sustentar-se a criança, nessa situação tão difícil e díspar? É então que a graça se manifesta e ampara as criancinhas. 

Mesmo intimidadas, elas não se deixavam convencer com as zombarias que a mestra lhes fazia. Por meu lado, eu lutava para destruir no espírito delas qualquer má semente que tentasse germinar, e as fazia frequentar os sacramentos. Coisa curiosa: Gertrudes, a professora, parecia adivinhar quais as alunas que tinham comungado, e eram essas as mais perseguidas. Certamente alguém espiava e lhe indicava as crianças... Mas a denúncia não vinha destas, sempre unidas e leais. 

Na quarta classe havia uma menina de dez anos, chamada Ângela. Muito inteligente, muito bem dotada, era a melhor aluna da escola. As condiscípulas não invejavam a sua superioridade, porque ela tinha um coração de ouro e estava sempre pronta a ser prestativa. 

Um dia, veio pedir-me licença para comungar diariamente. Perguntei-lhe: 

— Tu sabes a que te expões? 

Ela riu-se, numa expressão alegre, e respondeu: 

— Senhor Padre, a mestra não conseguirá apanhar-me em falta, asseguro-lhe, e trabalharei melhor. Não me recuse o que lhe peço. Nos dias em que comungo, sinto-me mais forte. O Senhor Padre disse-me que eu devo dar bons exemplos. Para os dar, preciso de sentir-me forte. 

Acedi, mas sentia-me inquieto. Desde esse dia, Ângela viveu um verdadeiro inferno. Apesar de saber sempre as lições, a mestra implicava continuamente com ela. A criança resistia, mas eu a sentia abatida. E perguntei-lhe: 

— Ângela, a perseguição que sofres é demasiado dura, não é verdade? 

— Jesus sofreu muito mais, quando O injuriavam. Não se compara com o pouco que sofro. 

Ante esta coragem, fiquei maravilhado. Ângela não se queixava, mas as suas condiscípulas vinham contar-me os maus tratos que a mestra lhe infligia. Chorando, diziam que, de dia para dia, Gertrudes se tornava pior. Nem já se preocupava com as lições, o que queria era destruir a fé daquela alma tão forte, que se escondia em tão fraco corpinho. 

As investidas contra Ângela revestiam-se de crueldade. A mestra esquecia o programa escolar, para espalhar em toda a classe as manhas dos “sem Deus”. Ângela lutava sozinha, e nem sempre sabia defender-se. Então ficava de pé, muda, a cabecinha curvada, o peito cheio de soluços, que vinham morrer-lhe na garganta. Sua fé continuava inquebrantável, mas como podia aquela criança defendê-la, ante a perversidade daquela mulher? 

A partir de novembro, as lições da quarta classe passaram a ser autênticos duelos entre a professora e a pequena discípula. Aparentemente, a mestra triunfava e dizia sempre a última palavra. Todavia, a sua irritação era tão grande que até o silêncio de Ângela a punha fora de si. Aterradas, as outras crianças pediam-me que lhes valesse. Mas que podia eu fazer? Graças a Deus, Ângela continuava firme na sua fé, e a nós restava-nos rezar, e rezar com absoluta confiança na misericórdia divina. 

O que se passava na escola tornou-se conhecido na cidade e arredores. No entanto, ninguém me censurava por continuar a consentir que Ângela comungasse diariamente. Não era mistério para ninguém que a mestra pretendia apenas roubar àquela frágil criança o tesouro da sua religiosidade. Os próprios pais a encorajavam a resistir, conhecendo bem a perseguição que fazia chorar tantas lágrimas àquela filha querida, e a crueldade que martirizava o seu pequeno coração. 

Ângela tornou-se o ídolo de toda a gente. Todos admiravam a sua força de vontade, a persistência da sua crença, mas ela se entristecia, sentindo-se impotente para se defender e receosa de não possuir os argumentos para justificar a sua fé. Compreende-se esse desânimo. Que pode a inocência duma criança contra a astúcia duma mulher mal intencionada? 

Pouco antes do Natal, no dia 17 de dezembro, a professora inventou um estratagema cruel, com o qual pretendia dar um golpe mortal nas “superstições ancestrais” que infestavam a escola. E preparou a cena com todo o entusiasmo. Naturalmente, a pobre Ângela foi a vítima escolhida. Com voz doce, a professora a interrogou: 


— Dize-me, minha pequena: quando os teus pais te chamam, o que fazes? 

— Vou imediatamente — respondeu Ângela com timidez. 

— Muito bem! Tu ouves chamar e vais logo, como filha bem educada e obediente. E se teus pais chamarem um limpa-chaminés, o que acontece? 

— Ele vem — respondeu Ângela. O seu coraçãozinho pulava desordenadamente. Pressentia uma cilada, mas não sabia qual seria. 

A professora tinha uma expressão falsa, traiçoeira, os olhos brilhavam como os de um gato que brinca com um ratinho. Mais tarde as alunas contaram-me também: 

— Sentíamos medo. Ela tinha o ar tão mau, tão mau!...

O interrogatório continuou: 

— Muito bem! Muito bem! Tu vens porque existes. O limpa-chaminés vem, porque existe. Ele existe! 

Após um breve e deliberado silêncio, ela prosseguiu: 

— Mas supõe agora que teus pais chamam a tua avó, que já morreu. Ela vem? 

— Não, não pode vir... 

— Bravo! Muito bem! E se eles chamarem o "Barba-Azul", ou a "Princesa de pele de burro"? Tu conheces essas histórias. Dize-me: eles vêm? 

— Não, não vêm, porque só existem nas histórias. 

Ângela ergueu os olhos para a mestra e baixou-os logo. Sentiu que o olhar dela a transpassava, lhe fazia mal. Mas o diálogo continuou: 

— Esplêndida resposta! Parece que hoje estás mais esperta... Reparem, minhas filhas, reparem todas: os vivos, os que existem, respondem quando os chamam. Os outros não respondem, não vêm, porque não estão vivos ou porque não existem. Compreendem, não é? 

— Sim! — responderam em coro. 

— Agora vamos fazer uma pequena experiência — e voltando-se para Ângela, ordenou-lhe: — Sai, minha filha. 

A garota hesitou. Depois levantou-se do banco, saiu, e a porta fechou-se pesadamente sobre a sua figurinha miúda. 

— Agora, meninas, chamem-na! 

— Ângela! Ângela! — gritaram trinta vozes de garotas, convencidas de que estavam participando de uma brincadeira, um jogo que as divertia. Ângela entrou, intrigada, sem saber o que pensar. A professora preparava-se manhosamente para saborear os frutos do seu maquiavélico plano.

— Afinal, estamos todas de acordo. Quando chamamos aqueles que vivem, que existem, eles vêm. Quando chamamos os que não existem, eles não podem vir. Ângela está aqui, viva, em carne e osso, ouviu que a chamamos e veio ter conosco. Suponhamos que chamássemos o Menino Jesus. Parece que há entre vós quem acredite nele... 

Houve um silêncio, de medo talvez. E aquelas vozes tímidas responderam: 

— Acreditamos! 

— E tu, Ângela, crês que o Menino Jesus te ouve, quando o chamas? 

Ângela sentiu-se bruscamente esclarecida. Eis a cilada que ela pressentira, mas da qual desconhecia a perversidade, e respondeu com ardente fervor: 

— Sim! Creio que Ele me ouve! 

— Muito bem! Façamos a experiência: as meninas viram que Ângela, quando a chamávamos, veio imediatamente. Se o Menino Jesus existe, Ele ouvirá que O chamam. Gritem todas, ao mesmo tempo e com força: "Vem, Menino Jesus!" Vamos! Um, dois, três! Vamos! Chamem! 

As crianças baixaram as cabecinhas. Um silêncio pesado, angustioso, desceu sobre elas. Gertrudes soltou uma gargalhada prolongada, diabólica: 

— Vamos! Eu quero que vocês O façam vir! Quero que me provem que Ele existe!... Ah! Não se atrevem a chamá-lo, porque sabem que o vosso Menino Jesus não virá!... E sabem por que não vem? Porque Ele não existe, não ouve, é como o "Barba-Azul", como a "Princesa de pele de burro", “Chapeuzinho Vermelho”, que são apenas mitos, histórias para as velhas contarem nos serões. Histórias que ninguém toma a sério!...

Intimidadas, as garotas continuavam caladas. Mas os argumentos da mestra as tinham impressionado, ferido em pleno peito. É preciso desconhecer a psicologia infantil, para não avaliar a angústia dessas crianças ante a argúcia duma mulher experiente e malévola, que executava um plano preconcebido. Em algumas a dúvida surgia, como me confessaram mais tarde. 

— Sim! — insistia a mestra — se Ele existe, por que não vem? 


Ângela continuava de pé, pálida como uma morta. As suas companheiras receavam, ao vê-la assim, que caísse ao chão. A professora saboreava a aflição das alunas. Enfim, triunfava e esmagava a fé naquelas pequeninas almas...

De repente, o imprevisto se deu. De um salto, Ângela atirou-se para o meio da sala. Nos olhos, tinha um clarão de esperança confiante. Olhou em volta e gritou: 

— Ouçam-me! Vamos chamá-lo! Gritemos todas: "Vem, Menino Jesus!". 

Num instante, todas se puseram de pé, com as mãos erguidas numa prece, os olhos brilhantes, os corações a pulsar numa imensa esperança. Num uníssono vibrante, as suas vozes se ouviram: 

— Vem, Menino Jesus! 

A professora não esperava esta súbita reação. Instintivamente recuou, com os olhos fitos em Ângela. Um silêncio profundo se seguiu, pesado como uma lenta agonia. Depois, de novo se ouviu aquela vozinha de cristal: 

— Vamos! Chamemos mais! Gritem muito alto! 

E um clamor forte, imenso, capaz de transpassar as paredes, vibrou: 

— Vem, Menino Jesus! Vem, Menino Jesus! 

O medo, a dúvida, por um momento jugulados, podiam renascer, mas o sentido da camaradagem deu o impulso que as reuniu em torno daquela que se revelava “chefe” e esperava o milagre. Tinham os olhos fitos, não na porta, por onde poderia entrar o Menino, mas na parede branca, em que se destacava a figurinha de Ângela, e continuavam a repetir: 

— Vem, Menino Jesus! 
Nesse instante a porta abriu-se sem ruído, e as crianças pensaram que toda a luz do dia entrava por ela. Era uma claridade intensíssima, que crescia, crescia, como a chama violenta dum enorme fogo. No meio desse clarão, um globo cheio de luz. O medo invadiu-as, mas nem tiveram tempo para gritar ou fugir: o globo abriu-se e apareceu um Menino lindo e risonho, como nunca tinham visto. O Menino sorria sem proferir uma palavra, e todas sorriram também, tranquilas e contentes. Algumas garotas esfregavam os olhos, para melhor contemplarem o Menino vestido de luz, outras olhavam-no de olhos espantados, sem pestanejarem. O Menino sorria, não falava, sorria para todas. 

Depois o globo fechou-se, de mansinho, e desapareceu devagar. A porta cerrou-se sem que ninguém lhe tocasse, e as crianças emocionadas, os coraçõezinhos inundados de felicidade, sem uma palavra abraçavam-se, a chorar de felicidade. 

O Menino as ouvira! O Menino viera! 

Que tempo durara a aparição? Uns instantes? Uma hora? Cada criança calculava a seu modo, ao testemunhar a aparição do Menino. Todas diziam: “Estava vestido de branco, e parecia um sol pequenino”. 

As crianças olhavam ainda a porta. Subitamente, um grito agudo quebrou a emoção desse silêncio. Aterrada, olhos esgazeados, braços estendidos, mãos enclavinhadas, a professora gritava como louca: 

— Ele veio! Ele apareceu! 

Em seguida fugiu, batendo com força a porta. 

Ângela mexeu-se, enfim, como quem desperta dum sonho: 

— Vocês viram? 

— Sim, vimos! 

— Ele é que trazia a luz — dizia uma. 

— A luz do dia é negra, comparada àquela claridade — acrescentava outra. 

— Vocês viram? — repetia Ângela 

— Ele existe! 
Toda a gente falava deste acontecimento, que as crianças contavam maravilhadas. Os pais vieram ver-me, acompanhados das filhas. Interroguei-as, uma por uma. Pois bem, posso declarar, sob juramento, que nas suas palavras não encontrei contradições. Isto surpreendeu-me, tão extraordinário era o que se tinha passado. Uma garota dizia-me, muito satisfeita: 

— Senhor, nós estávamos com muito medo, e bem precisávamos que o Menino nos acudisse... 

O mundo inteiro já conhece este fato. Mas agora devo dar o epílogo. A Sra. Gertrudes deu entrada num manicômio. O cérebro ressentiu-se do tremendo abalo que sofreu, e não cessava de repetir: “Ele veio! Ele veio”. Tentei visitá-la. Em vão, pois recusam absolutamente entrada aos padres nas casas de alienados. É que são frequentes os casos de obsessão religiosa... Os profanadores de igrejas, em geral, acabam loucos. Todos os dias, ao celebrar a Missa, rezo por ela e por todos. 

Concluídos os exames, Ângela foi para casa, ajudar a mãe. É a filha mais velha dum rancho de irmãos. A minha partida precipitada nada mais me deixou saber a seu respeito.

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Nota: (*) A insurreição da nobre nação húngara contra o comunismo foi tão forte e extensa que chegou a derrubar o governo títere de Moscou e a libertar da prisão o resistente Cardeal Mindszenty, juntamente com numerosos outros prisioneiros. Pouco depois, porém, um poderoso exército russo entrou na Hungria, dizimou a população com seus tanques de guerra, conseguindo novamente dominar o país. O Cardeal Mindszenty mal teve tempo de refugiar-se na embaixada norte-americana.

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