28 de maio de 2014

O fato de ser teólogo não garante ninguém de não cair em heresia...

Costumo deletar de nosso blog os comentários anônimos, sobretudo aqueles permeados de insultos ou palavrões. Esta é a regra. Mas, como toda regra tem exceção, por vezes não os deleto, a fim de ficarem para conhecimento de nossos leitores. É o caso do comentário colocado no post anterior, criticando o artigo do Revmo. Pe. David Francisquini. Como publiquei a crítica, publico também minha réplica, que foi a seguinte:

Prezado Sr. Anônimo
O senhor faz uma crítica ao artigo “Chegou o tempo?”, de autoria do Pe. David Francisquini, pelo fato desse sacerdote afirmar que não se pode admitir a tese do Cardeal Kasper — ou seja, a “admissão na comunhão eucarística de divorciados que tenham contraído novas uniões” —, pois é contrária a ensinamento do Magistério da Igreja. 

Em tal crítica o senhor diz que “não podemos nos soerguer como arautos da verdade que empunha o estandarte da mesma como se só pudesse ser sustentado por nossas mãos!”.

O Pe. Francisquini, com toda certeza, admite isso e não afirma algo semelhante no artigo em foco. Ele mostra a verdade ensinada pela doutrina católica, e não a verdade “sustentada por nossas mãos”. Nós não somos donos da verdade, a verdade é que é nossa dona. A doutrina católica ensinada pelo Magistério infalível da Igreja é segura, e não a doutrina ensinada particularmente por qualquer um de seus membros — no caso, o Cardeal Kasper.

O senhor ainda escreve que o Cardeal Kasper “é um teólogo respeitado, creio que não foi bem entendido”.

Ora, meu prezado anônimo, Lutero também, em seu tempo, era considerado um grande teólogo e respeitado por muitos... O fato de ser teólogo não garante ninguém de não cair em heresia. Para ficarmos apenas no exemplo de Lutero, este apóstata, além de se tornar um heresiarca que teve a ousadia de se levantar contra a doutrina ensinada pela Igreja Católica, pregou uma rebelião contra ela; blasfemou e lançou suas injúrias contra Nosso Senhor Jesus Cristo, contra Maria Santíssima e contra Roma. 

Certamente o senhor sabe disso, mas se não tem conhecimento do que pregava Lutero, sugiro ler alguns livros a respeito, por exemplo “A Igreja, a Reforma e a Civilização" (de autoria do Padre Leonel Franca), ou ainda o livro “Lutero”, obra de Funck-Brentano (célebre historiador francês, membro do “Institut de France”) — autor insuspeito, pois era ele protestante. 

De modo que, prezado anônimo, entre o que o senhor diz e o ensinamento magisterial da Igreja, fico com a Santa Igreja.

Encerrando esta resposta, repito aqui o trecho final do artigo do Pe. Francisquini, pois gostei muito: 

“Ninguém pode ensinar algo diferente do que foi sempre ensinado, afirma a tradição. São Paulo adverte: ‘Ainda que alguém — nós ou um anjo baixado do céu — vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema.’” 

O que dizer de um eclesiástico que ensina e propõe o contrário daquilo que o Magistério sempre ensinou? Santo Afonso de Ligório afirma, com base nas Sacras Letras, que é de fé que os impudicos, os impuros e os fornicadores não possuirão o Reino dos Céus. A iniciativa do cardeal Kasper de tentar liberar a Comunhão Eucarística aos recasados acabará por envolver a instituição familiar numa crise sem precedentes, pois diz respeito aos fundamentos de nossa religião. Essa crise será também a ruína de muitos que deveriam pregar a boa doutrina. A vida matrimonial e familiar é sustentada pelos princípios, convicções e certezas oriundos da Fé, e tudo o que se constrói sobre o sentimentalismo não passa de edificação fantasiosa.

Cumpre encontrar soluções para que os recasados se afastem do mau caminho, e não subterfúgios para abalar ainda mais os já tênues laços familiares, como propõe o cardeal Kasper. São Paulo recomenda: “Prega a palavra, insiste, quer agrade, quer desagrade; repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina. Porque virá tempo em que os homens não suportarão a sã doutrina, mas contratarão para si mestres conforme os seus desejos, levados pela curiosidade de ouvir. E afastarão o ouvido das verdades para abrirem às fábulas.” 

Terá chegado esse tempo? — Para o referido cardeal, expoente do progressismo, parece que sim...

27 de maio de 2014

Chegou o tempo?

Pe. David Francisquini (*)


A mídia tem sido pródiga em divulgar declarações do ex-presidente do Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Walter Kasper, de 81 anos. Ele acaba de apresentar mais uma proposta escandalosa: a admissão na comunhão eucarística de divorciados que tenham contraído novas uniões.

O que a doutrina católica ensina a respeito? São Paulo deixa claro: a Escritura, inspirada por Deus, é útil para ensinar, repreender, corrigir e formar na justiça. E a Igreja ensina que o casamento é indissolúvel nas dores e nas alegrias, no luto e nas dificuldades, nas vitórias e nas derrotas, nos reveses e nas bonanças, nas desilusões e nas esperanças. 

Aos efésios confirma São Paulo o Gênesis: o que Deus uniu o homem não separe. O homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher e serão dois em uma só carne. Ficam excluídos da Eucaristia aqueles que estão em aberta violação da Lei de Deus. A Igreja não pode abrir as portas deste Sacramento aos cônjuges que violem ensinamentos multisseculares, pois eles próprios é que resolveram viver em situação irregular, abandonando com isso a frequência dos sacramentos.

Já aos Coríntios, ao ensinar as condições para a Comunhão Eucarística, São Paulo aponta o dever de se encontrar em estado de graça, pois quem o fizer indignamente come e bebe a própria condenação. A Igreja especifica as condições para o acesso à Eucaristia, a fim de que os fiéis a recebam com frutos. Nenhuma autoridade humana pode abrir seu acesso àqueles que vivem de maneira irregular, pois aproximar-se deste Sacramento em pecado mortal constitui sacrilégio, profanação do Corpo de Cristo. 

Ninguém pode ensinar algo diferente do que foi sempre ensinado, afirma a tradição. São Paulo adverte: “Ainda que alguém — nós ou um anjo baixado do céu — vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema.” O que dizer de um eclesiástico que ensina e propõe o contrário daquilo que o Magistério sempre ensinou? Santo Afonso de Ligório afirma, com base nas Sacras Letras, que é de fé que os impudicos, os impuros e os fornicadores não possuirão o Reino dos Céus.

A iniciativa do cardeal Kasper de tentar liberar a Comunhão Eucarística aos recasados acabará por envolver a instituição familiar numa crise sem precedentes, pois diz respeito aos fundamentos de nossa religião. Essa crise será também a ruína de muitos que deveriam pregar a boa doutrina. A vida matrimonial e familiar é sustentada pelos princípios, convicções e certezas oriundos da Fé, e tudo o que se constrói sobre o sentimentalismo não passa de edificação fantasiosa.

Cumpre encontrar soluções para que os recasados se afastem do mau caminho, e não subterfúgios para abalar ainda mais os já tênues laços familiares, como propõe o cardeal Kasper. São Paulo recomenda: “Prega a palavra, insiste, quer agrade, quer desagrade; repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina. Porque virá tempo em que os homens não suportarão a sã doutrina, mas contratarão para si mestres conforme os seus desejos, levados pela curiosidade de ouvir. E afastarão o ouvido das verdades para abrirem às fábulas.” 

Terá chegado esse tempo? — Para o referido cardeal, expoente do progressismo, parece que sim... 
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(*) Pe. David Francisquini, Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria — Cardoso Moreira (RJ).

17 de maio de 2014

Marcha contra o aborto no Peru: a maior na história da América Latina


Luís Dufaur 

Foi a maior passeata pela vida já realizada no continente sul-americano, contando com uma cifra que varia entre 250.000 e 300.000 pessoas, segundo fontes diversas, informou “Religión en Libertad”.(1) 

Na Terceira Marcha pela Vida na capital peruana, jovens, adultos e crianças marcharam a partir das 9 da manhã do dia 22 de março último pelas grandes avenidas Brasil e Javier Prado, chegando a atingir uma extensão de 40 quarteirões.

Poucos dias depois houve marchas análogas nas cidades de Piura, Trujillo, Iquitos, Huancayo e Arequipa. Nesta última, mais de 100 mil pessoas participaram do VIII Gran Corso por la Vida, la Familia y la Juventud, no Dia da Criança por Nascer.(2)

Para muitos participantes, foi uma surpresa ver o próprio Cardeal-arcebispo de Lima falando à imensa multidão, como fazem certos cardeais e bispos dos EUA e do Canadá nas marchas contra o aborto. 

No Peru o aborto é ilegal, mas existe uma norma, antiga de 90 anos, que permite o aborto “terapêutico”. Tal norma é tão arcaica que nunca se verificam circunstâncias para a sua aplicação. 

Porém, a ministra da Saúde, Midori de Habich, anunciou que o
governo aprovaria antes de junho uma “guia técnica que regula o aborto terapêutico”. Na prática, o consenso geral percebe nesse anúncio um pretexto para transformar sorrateiramente a mencionada norma numa generalização da prática do aborto. 

Em 2009, os grupos peruanos pela vida perceberam a necessidade de se organizarem, quando o governo legalizou a pílula do dia seguinte, que provoca a morte do embrião.

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Notas 
1. http://www.religionenlibertad.com/articulo.asp?idarticulo=34623 ) 
2. http://www.aciprensa.com/noticias/peru-mas-de-80-mil-participaron-en-corso-por-la-vida-en-arequipa-28774/)


16 de maio de 2014

Quando o pastor sai em defesa dos lobos...


Paulo Roberto Campos 

Normalmente em todos os contos e fábulas, e mesmo na vida real, as histórias pastoris que sempre ouvimos contar, desde a tenra infância, são de heroicos pastores que defendem suas ovelhas. Eles, mesmo correndo perigo, investem contra os lobos que tentam devorar seu rebanho.

Entretanto, de uma história oposta tomei conhecimento há pouco. E como se trata de algo realmente muito inusitado, apressei-me em comentar com nossos leitores o caso de um Pastor — como se sabe os Bispos são os Pastores da Igreja, o Bispo é Pastor de sua diocese — que, em vez de atacar os lobos, ataca as ovelhas. Acabei de fazer uma pesquisa para verificar a veracidade dos fatos e, não me restando dúvidas, resolvi rabiscar estas linhas para um artigo.


Nomeado, no dia 25 de março último, Secretário Geral da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Monsenhor Nunzio Galantino [foto acima] fez recentemente declarações que deixaram inúmeros católicos escandalizados, até mesmo em sua própria diocese, que é de Cassano All’Ionio, na Calábria (Itália).

Com o título “Declarações do Secretário da Conferência Episcopal Italiana causam desconcerto entre católicos”, a “Agência Católica de Informações” (ACI, Roma, 15 de maio de 2014), noticia que “Dom Nunzio Galatino (secretário da CEI), causou desconcerto entre os católicos com umas recentes declarações nas quais se referiu às pessoas que rezam o terço em frente às clínicas de aborto”.

Ao ser perguntado sobre “valores não negociáveis”, como a defesa da vida e da família, Mons. Galatino fez declarações à imprensa italiana afirmando que “no passado acredito que nos concentramos exclusivamente no aborto e na eutanásia. Não pode ser assim, no meio disso está a existência que se desenvolve”.


Católicos protestam diante da clinica abortista
Rockford's Northern, Illinois (EUA)
E tenta se explicar: “Eu não me identifico com os rostos inexpressivos daqueles que rezam o terço em frente às clínicas que praticam a interrupção da gravidez (aborto), mas com aqueles jovens que são contrários a esta prática e lutam pela qualidade das pessoas, por seu direito à saúde, ao trabalho”.

Tais declarações do Bispo Secretário da CEI, ainda segundo a ACI, “Foram especialmente ofensivas para os católicos nos Estados Unidos, onde também os bispos lideraram os fiéis em frente às clínicas de aborto para rezar pelos bebês não nascidos que são assassinados nessas instalações [como na foto ao ladoe para tentar que as mulheres desistam de submeter-se a essa prática”. 

“Entre os bispos americanos que presidiram estes momentos de oração está o atual Arcebispo de Washington D.C., Cardeal Donald Wuerl [foto abaixo], que em dezembro de 2010 presidiu uma Missa, uma procissão e a oração do terço em frente a uma clínica de abortos tardios, quer dizer, que são praticados depois da 20ª semana gravidez. O Cardeal esteve acompanhado de 600 pessoas”.

Para o Arcebispo de Washington, o aborto é “a maior praga na nossa nação desde a época da escravidão. Como é possível que numa história onde aconteceram tantas atrocidades, aconteçam coisas como essas? [...]

Ainda fazendo referência ao aborto, o Cardeal continua: “Como é possível ter hoje a total destruição da vida humana? [...] Enfrentamo-nos com o mal do aborto. É quase inconcebível na nossa cidade, na nossa sociedade (que) seja legal matar uma criança quase totalmente formada. Tirar a vida do ventre”.

Graças a Deus que ainda há Pastores que, pelo menos em certos casos, defendem suas ovelhas, como percebemos nesse caso do Arcebispo de Washington.

Para citar mais um caso — oposto ao "expressivo" Bispo de Cassano All’Ionio —, sintetizo outra notícia que tomei conhecimento também hoje e também por meio de notícia da “ACI/Europa Press” (San Sebastián, 15 de maio de 2014). Esta tem o seguinte título: “Bispo espanhol: Esperemos que no século XXII as pessoas se sintam escandalizadas pelos abortos praticados no nosso século”.


O Bispo de San Sebastián (Espanha), Dom José Ignacio Munilla [foto ao lado], indica no livro “Aborto Zero” (Stella Maris) — do qual é co-autor junto com outros 22 especialistas — “que espera que as futuras gerações do século XXII se sintam escandalizadas pelos abortos praticados nos séculos XX e XXI, assim como vemos atualmente os duelos de honra do século XVIII como algo ‘irracional’ e ‘inadmissível’”. 

Além disso, destaca que “uma sociedade que reivindica o aborto e a eutanásia como parte dos direitos humanos, está encaminhada a um processo de suicídio espiritual, além de corporal”. E ainda que “paradoxalmente, aqueles que hoje reivindicam o suposto direito a abortar, nasceram!”. E que “se suas mães tivessem abortado, eles agora nem sequer poderiam fazer com que escutem a sua voz”.

Bispo de San Sebastián constata que a sociedade está “imersa em uma crise tão aguda do pensamento filosófico, ético e antropológico — em boa medida por influxo da ideologia do gênero, embora não exclusivamente — que bem se poderia dizer que o Ocidente sofre um eclipse da razão”. 

Nesta linha, assinala que existem os chamados “pecados de época”, para os quais há uma cegueira coletiva muito estendida, “como é o caso de aborto na atualidade”. 

*       *       *
Como é reconfortante ver que ainda há Pastores que, em defesa de suas ovelhas, atacam os lobos... Como é desolador ver um Pastor que ataca as ovelhas...

14 de maio de 2014

Onde está o teu tesouro?


Pe. David Francisquini (*)


Células constitutivas da sociedade, as famílias funcionam como um termômetro dela. Quando estão sadias, a sociedade se ordena. Quando não, o corpo social fica comprometido, com reflexos em todos os campos da atividade do homem, da religião à economia. 

Assim, o grau de decadência da sociedade atual pode ser avaliado em função da situação das famílias que a constituem. De tal modo elas se distanciaram da formação recebida de seus antepassados que romperam com a estabilidade perene dentro das mutações normais das coisas. Romperam com aquilo que é imutável no mundo que muda, ou seja, a tradição.

Em sua obra-prima Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de Oliveira afirma que a crise do homem contemporâneo tem sua raiz nos problemas de alma mais profundos. E ao apontar para a amplitude da Revolução, o autor mostra que ela visa destruir toda uma ordem de coisas legítima a fim de substituí-la por uma situação ilegítima. 

Ao sacramentar o matrimônio, Jesus Cristo abriu para os esposos uma via de santidade, na qual o fim natural da multiplicação da espécie humana foi elevado a um objetivo ainda mais nobre: o da geração de membros para o seu Corpo Místico. Por isso, a verdadeira composição da sociedade tem por base a união familiar indissolúvel entre o homem e a mulher. 

Mas essa indissolubilidade está profundamente abalada, como também a educação religiosa e moral dos filhos. Devido ao hedonismo de nossos dias e de leis cada vez mais socialistas, a finalidade primordial do matrimônio – a procriação e educação da prole – não é mais levada em conta, levando à fragmentação da estabilidade e do equilíbrio da instituição familiar.

Hoje os filhos não mais aprendem com seus pais a se dirigirem a Deus, pois muitas vezes sequer são batizados. Como uma sociedade que não reza poderá alcançar as graças de Deus? Enquanto as igrejas estão vazias, os estádios, os shoppings centers, os bancos, as repartições públicas regurgitam de gente: “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”.

A ausência dos pais, especialmente da mãe, no ambiente doméstico, tem contribuído para corromper a sua autoridade junto aos filhos. As crianças são afastadas do aconchego materno e da vida de família e colocadas em creches, onde não raro seguem uma cartilha socialista, aprendendo vícios, passando a ter sede precoce de liberdade e independência.

Em vez de cultivar as mais sólidas virtudes e princípios que regerão suas vidas, as crianças são educadas para a intemperança, o desequilíbrio e o desajuste. Na realidade, apenas nos braços de uma mãe extremosa aprendem elas amar a Deus e ao próximo, a regrar os seus instintos. Quando os pais as entregarem à sociedade, elas saberão se comportar no convívio social. 

Quando se elimina Deus do centro da vida humana, tudo perde a razão de ser. Se a sociedade se encontra hoje pervertida e erodida, é porque o conjunto das famílias abandonou a moral, a religião, até mesmo a lei natural. Quando isso acontece, ela cai nas mãos de políticos aventureiros, demagogos e inescrupulosos, oriundos eles mesmos de famílias e de colégios que os corromperam e doutrinaram. 
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(*) Pe. David Franciquini, Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso Moreira (RJ), é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM).

10 de maio de 2014

São José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, rogai por nós!

A Fundação de São Paulo - Pintura de Oscar Pereira da Silva (1865-1939)
Desde a missão de evangelizar, civilizar e instruir os indígenas da Terra de Santa Cruz até a vocação de cruzado — colaborando heroicamente para a expulsão dos hereges que invadiram nossas terras —, Anchieta foi um dos principais forjadores da unidade nacional

Paulo Roberto Campos 
Matéria publicada na Revista "Catolicismo"
Nº 761, edição de Maio/2014.

Beatificado por João Paulo II em junho de 1980, Anchieta foi canonizado no dia 3 de abril último pelo Papa Francisco. Mas já nos idos de 1736 Clemente XII fizera a proclamação da heroicidade de suas virtudes, tornando-se desde então comum recorrer à intercessão desse Venerável filho espiritual de Santo Inácio de Loyola, que mereceu o cognome de Apóstolo do Brasil. A esse título ele será particularmente atento às preces que nós brasileiros lhe dirigirmos — tanto para as nossas necessidades individuais quanto para as da Terra de Santa Cruz. 


Anchieta - Autor anônimo. Museu Paulista
A respeito das delongas e dos obstáculos para se chegar à tão esperada canonização de Anchieta, escreve o Pe. Armando Cardoso, S.J: “Seu processo de beatificação, começado cinco anos apenas após sua morte, e interrompido várias vezes por diversas circunstâncias históricas, se estendeu até 1736, em que o Papa Clemente XII deu o ‘Decreto das Virtudes em Grau Heroico Praticadas pelo Venerável Servo de Deus o Padre José de Anchieta, Sacerdote Professo da Companhia de Jesus’. Retomado para exame dos milagres, foi largado por mais de 120 anos por ocasião da perseguição à Companhia de Jesus, sua supressão, restituição e volta ao Brasil (1757-1877)”.(1) 



Fundador da cidade de São Paulo, um “Bandeirante da Fé”

Ainda muito jovem,
Anchieta faz o voto de castidade
 
Também cognominado "Apóstolo do
Novo Mundo” e “São Francisco Xavier da América”, José de Anchieta nasceu há 480 anos, no dia 19 de março de 1534, em São Cristóvão de La Laguna, Tenerife (Arquipélago das Canárias). Descendente de nobres espanhóis, iniciou seus estudos universitários em Coimbra no ano de 1548, e três anos depois ingressou na Companhia de Jesus. Com apenas 19 anos, enquanto noviço jesuíta, embarcou como missionário para o Brasil, aportando na Bahia de Todos os Santos (Salvador) em 13 de julho de 1553, com o governador-geral Duarte da Costa. 

Pouco depois, partiu para seu principal destino: São Vicente, no litoral paulista, então sede da capitania de Martim Afonso de Sousa. 

Seu zelo pela salvação das almas levou o jovem Anchieta a galgar os 900 metros da escarpada Serra do Mar para chegar ao planalto de Piratininga. Acompanharam-no nesta empreitada 12 jesuítas, que se estabeleceram sobre uma colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. Também vinham junto 20 “curumins” — indiozinhos que haviam descido para São Vicente a fim de estudar na escola dos missionários.

Não se trata de narrar aqui toda a empolgante epopeia desse santo missionário, nem os numerosos milagres por ele operados em terras brasílicas. Mas dentre os abundantes fatos épicos de sua vida merece especial destaque um: em 25 de janeiro de 1554, o jovem jesuíta, juntamente com o Pe. Manoel da Nóbrega, fundou a Vila de Piratininga, tendo como ponto de partida o atual Pátio do Colégio, berço da capital paulista. Naquele dia, o ato de fundação da cidade foi a primeira Missa celebrada no rústico e provisório “Colégio São Paulo”. Tal foi o papel do Apóstolo do Brasil, como incansável “Bandeirante da Fé”, na fundação da cidade de São Paulo, que alguns autores afirmam que a atual megalópole bem poderia chamar-se “Cidade de Anchieta”. 


“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” 

O mestre de Piratiniga
Pela grandeza da obra do recém-canonizado santo, salta aos olhos o quanto é injusta e cruel a crítica que a nova missiologia indigenista — levada a cabo por sacerdotes progressistas alinhados à “Teologia da Libertação” — lança contra Anchieta devido à sua catequese dos índios. Sendo batizados e civilizados, estes só lucraram, tanto espiritual quanto materialmente, pois se viram livres de práticas pagãs, de contínuas batalhas entre tribos, e de muitos vícios, como a bebedeira, o infanticídio, a feitiçaria, o canibalismo etc.

Entretanto, os tais neomissionários pregam o retorno dos silvícolas aos seus antigos vícios, ao primitivismo tribal... Pregação bem oposta à gloriosa missão de Anchieta, que admiravelmente seguiu o divino mandado de Nosso Senhor: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas” (Mc 16,15-17). 


“A pedra preciosa é o Padre Anchieta” 

O zelo apostólico de Anchieta, “Ad Majorem Dei Gloriam”
(fazer tudo para a maior glória de Deus — lema dos Jesuítas), não se restringiu ao planalto paulista. Seu ardor pela conquista das almas e estabelecimento da civilização cristã em nossas terras levou-o a percorrer enormes distâncias e boa parte do litoral brasileiro. Para esse infatigável apostolado junto aos silvícolas, Anchieta redigiu, em menos de dois anos, a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil — “a melhor de todas as que se escreveram nos tempos coloniais e a que mais corresponde às exigências científicas modernas”, segundo o Pe. Hélio Abranches Viotti, S.J.(2)

Entre outras obras, Anchieta escreveu os Diálogos da Fé em língua tupi, que passou a ser usado em São Vicente desde 1557. Compôs diversos poemas, canções, sermões e peças teatrais para ensinamento dos índios; redigiu também algumas instruções catequéticas sobre o batismo, a assistência aos silvícolas em perigo de morte e o sacramento da confissão. 

Sinteticamente, para se ter uma certa noção do vulto grandioso desse gigante da fé, basta lembrar o que dele afirmou o segundo bispo do Brasil, Dom Pedro Leitão, o qual lhe havia conferido o sacramento da Ordem: “A Companhia de Jesus no Brasil é um anel de ouro e a pedra preciosa dele é o Padre Anchieta”.(3) 

Ou ainda o que escreveu o jesuíta Simão de Vasconcelos (1596-1671), um dos primeiros biógrafos de Anchieta: “Um José na castidade, um Abraão na obediência, um Moisés nos segredos do Céu, um Job na paciência, um Elias no zelo e um David na humildade. Um portento de maravilhas e um assombro do mundo”.(4) 


Cruzada brasileira contra os invasores do Rio de Janeiro 

O Pe. Nobrega abençoando Estácio de Sá
e suas tropas, que partiam para reconquistar
Guanabara e fundar a cidade do Rio de Janeiro.
Ajoelhado, o Pe. José de Anchieta.
 
Além do título de fundador de São Paulo, o Pe. Anchieta mereceu também, juntamente com o Pe. Manoel da Nóbrega, o de co-fundador do Rio de Janeiro. Vejamos.

Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), e outros invasores franceses protestantes, chegaram à baía de Guanabara em 1555, construíram o Forte de Coligny na ilha de Seregipe (como a chamavam os Tamoios — hoje ilha de Villegaignon) e implantaram ali uma colônia que, muito jactanciosamente, denominaram “França Antártica”. Mas foram expulsos da ilha pela esquadra enviada pelo governador-geral Mem de Sá (1500-1572). Entretanto, os sectários de Lutero retiram-se para terra firme, instigaram os índios Tamoios contra os portugueses e retornaram mais tarde as antigas posições.

Os intrusos, amotinando os Tamoios, desejavam implantar a
Mem de Sá
heresia calvinista na Terra de Santa Cruz. Nóbrega e Anchieta logo perceberam a gravidade do perigo e insistiram junto à Corte de Lisboa para que enviasse novas forças. Ao mesmo tempo, multiplicaram os contatos com os chefes indígenas aliados e incentivaram a fabricação de armas e embarcações, somando esforços junto ao governador-geral, que — como registrou Anchieta em sua obra Feitos de Mem de Sá — “prepara uma esquadra para expulsá-los das terras mal havidas: equipa com armas luzentes muitas naus e as enche de escolhidos soldados”.(5) 


O grande missionário e taumaturgo tornou-se o esteio moral em
Chegada de Anchieta
no Rio de Janeiro
que se apoiavam as esperanças de todos. Foi Anchieta quem, durante o estratégico ano de 1565, soube manter inabalável o espírito combativo contra o herege invasor, sem o qual os intrusos não teriam saído do Rio de Janeiro, ameaçando, assim, dividir a nação brasileira. 


Vindo da Bahia em socorro de seu sobrinho Estácio de Sá, o governador-geral, Mem de Sá, derrotou definitivamente os invasores franceses em 20 de janeiro de 1567, dia de São Sebastião. A vitória, entretanto, custou a vida do jovem e bravo Estácio — que veio a falecer santamente um mês após a vitória, em consequência de uma flecha envenenada. 


Essa vitória contra os inimigos da fé católica foi marco da fundação de São Sebastião do Rio de Janeiro. Fundada pelo fidalgo Mem de Sá, mas para a qual Anchieta tanto havia colaborado, por exemplo, estimulando os indígenas à defesa da cidade, entre os quais se destacou o valente índio Ararigboia (da tribo dos termiminós), batizado com o nome de Martim Afonso. [Ao lado, estátua do índio Ararigboia diante da estação das barcas em Niterói].
A fundação da cidade do Rio de Janeiro - Palácio Pedro Ernesto

Essa heroica reação de portugueses e nativos contra os calvinistas franceses poderia ser designada como a primeira cruzada brasileira para a expulsão dos protestantes que pretenderam dominar o Rio de Janeiro e, a partir daí, apoderarem-se da nação. 
Poema à Virgem Maria - B. Calixto, 1901. Colégio São Luis, São Paulo

Cantor e poeta da Santíssima Virgem Maria 

A devoção do Pe. Anchieta a Nossa Senhora é dos traços que mais o distinguiam. Uma prova saliente disso se deu durante seu cativeiro entre os índios Tamoios, em Iperoig (Ubatuba), quando compôs o célebre Poema da Virgem (De Beata Virgine Matre Dei Maria), certamente a primeira grande obra literária em honra da Santíssima Virgem escrita em terras da América. Com seu bordão, o indômito missionário jesuíta escreveu sobre a areia da praia, em latim clássico, o poema de quase seis mil versos, no qual ele canta a história da Mãe de Deus desde sua Conceição Imaculada até sua gloriosa Coroação no Céu. Nesse fabuloso poema, além de sua robusta inteligência e cultura, o santo autor se revela um precursor dos dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção. 


O cortejo fúnebre com o corpo
de Anchieta
Após 44 anos de contínuo labor apostólico, o agora canonizado Pe. José de Anchieta — que em vida já era considerado grande santo —, previu o dia de sua morte. Despediu-se na véspera de seus próximos, e no dia 9 de junho de 1597 entregou sua bela alma a Deus, aos 63 anos de idade, na aldeia do Reritiba, hoje cidade de Anchieta (ES). Entre os índios, foi geral a lamentação e tristeza pela morte daquele que lhes dedicara toda a sua existência. Hoje o Brasil inteiro venera esse fulgurante missionário que profeticamente, na acima citada obra, anunciara: “A nação que se ceva agora em carnes humanas, a terra em que sopra o Sul, conhecerá o Teu nome e ao mundo austral advirão os séculos de ouro, quando as gentes brasílicas observarem a Tua doutrina”(6) — a divina doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o Apóstolo do Brasil viveu e morreu heroicamente. 
Pátio do Colégio - Benedito Calixto

“Primeiro rebento de santidade de uma grande nação”

A seguir, algumas palavras do mesmo autor, publicadas em “O Século”, do Rio de Janeiro, em 4-9-1932:
“Se pudéssemos recorrer a uma comparação profana,
para dar a ideia da importância de Anchieta em nossa história, diríamos que ele foi para o Brasil o que Licurgo foi para Esparta e Rômulo para Roma. Isto é, um desses heróis fabulosos que se encontram nas origens de algumas grandes nacionalidades, a levantar os primeiros muros, edificar os primeiros edifícios e organizar as primeiras instituições.
Sua figura, de uma rutilante beleza moral, se ergue nas nascentes da nação brasileira, a construir seu primeiro hospital e seu primeiro grupo escolar, e a redigir, confiando-os às praias do oceano, os primeiros versos compostos em plagas brasileiras. 
“O fundador de São Paulo foi, portanto, simultaneamente, nosso primeiro mestre-escola, nosso primeiro fundador de obras pias e o patriarca de nossa literatura, o mais antigo vulto da literatura brasileira, como o chamava Silvio Romero.
“E sobre esta tríplice coroa fulgura ainda o diadema de uma virtude que fez reproduzirem-se em selvas brasileiras os milagres do Poverello de Assis, que, com sua simples presença, amansava feras e atraía os passarinhos, nas florestas densas da Úmbria.” 
Anchieta costumava rezar aos pés desta imagem de Na. Sra. da Conceição
Almejando ardentemente a elevação do Pe. Anchieta à honra dos altares, assim conclui Plinio Corrêa de Oliveira o referido artigo, naqueles idos de 1932:
“Seu processo de canonização está confiado ao juízo soberano da Santa Igreja. E todas as razões nos levam a crer que Deus ouvirá as orações que lhe forem dirigidas por intermédio de Anchieta, facilitando assim a causa de sua canonização, para erguer sobre seus altares um grande santo, primeiro rebento de santidade de uma grande nação.”  
Relíquia de São José de Anchieta
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Notas: 
1. Pe. Armando Cardoso, S.J., O Bem-aventurado Anchieta, Edições Loyola, São Paulo, 1991, p. 68. 
2. Cfr. Pe. Hélio Abranches Viotti, S.J., José de Anchieta, Tenenge, São Paulo, 1987, p. 24. 
3. Celso Viera, Anchieta, Pimenta e Mello & Cia, Rio de Janeiro, 1929, p. 175. 
4. Pe. Simão de Vasconcelos, A Vida do Venerável Pe. José de Anchieta, Lello & Irmãos, Editores, Porto, 1953, p. 90. 
5. Pe. Ioseph de Anchieta, De Gestis Mendi de Saa praesidis in Brasillia, Obras completas, 3ª ed., 1º vol. p. 195. 
6. Idem, ibidem, p. 229.

7 de maio de 2014

Vitória da Família! Na guerra contra o PNE, vencida a batalha contra a “Ideologia de Gênero”


No dia 6-4-14, sessão da Comissão especial que aprovou o Plano Nacional de Educação, sem menção a “Ideologia de Gênero” — Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados

Paulo Roberto Campos 

Nesta terça-feira (6-4-14) transcorreu a votação na comissão especial que analisa o Plano Nacional de Educação (PNE). Este foi aprovado, mas sem a menção à abominável (e ridícula) expressão “Ideologia de Gênero” — ideologia perversamente anti-família. Se tal expressão não fosse excluída do PNE, permitir-se-ia às escolas um ensino favorável ao homossexualismo, e outros tipos de “orientações sexuais”, às nossas crianças. 

Segundo informação da “Agencia Brasil” (6-4-14), o relatório anterior aprovava a "superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção de igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual". A redação final foi alterada para "a erradicação de todas as formas de discriminação". 

Graças a Deus e aos esforços de muitos defensores da instituição familiar — com telefonemas, envios de e-mails, fax, contatos com parlamentares etc. , tal expressão foi excluída do PNE (PL 8035/10), que há 3 anos tramita no Congresso Nacional.

Surtiu um ótimo efeito essa campanha de protestos enviados ao Congresso Nacional  por parte de muitos que argutamente perceberam os graves riscos da aprovação do PNE com referências à “Ideologia de Gênero” —, bem como de pedidos para que os deputados que aprovavam a retirada da malfada expressão estivessem presentes na votação.

Conforme notícia da “Agência Brasil” (6-5-14), agora a expectativa é que o PNE seja votado no Plenário dentro de 10 dias e siga para sanção presidencial ainda neste mês. 

Mas a mobilização que se obteve contra o plano nefasto não pode baixar a guardar, pois sabemos que não cessarão as investidas daqueles que promovem a desagregação da família tradicional, como estabelecida por Deus  — ou seja, constituída com o matrimônio monogâmico e indissolúvel, celebrado entre um homem e uma mulher, com vistas à geração e educação da prole.

Há outros projetos desagregadores da instituição familiar em pauta. Permaneçamos, portanto, VIGILANTES! Que a Sagrada Família — Jesus, Maria e José — abençoem e recompensem abundantemente todos que participaram desta longa batalha. [a seguir algumas fotos que ilustram episódios dentro dessa luta em Brasília].








5 de maio de 2014

O Bem? O Mal?

Leo Daniele
Fonte: Agência Boa Imprensa


Se existe — dizem alguns — um Bem-nem-tão-bom e um Mal-nem-tão-mau, por que não fundi-los em uma média? Não ficaríamos todos mais felizes?

Outros dizem que o conveniente é “fazer aquilo de que se gosta”. Se alguém está fazendo aquilo de que gosta, seja ele um drogado, um homossexual ou um pequeno estelionatário, não há por que condenar sua conduta, desde que ele não chegue ao extremo de prejudicar o próximo, matando, assaltando bancos ou fazendo coisas do gênero.
O Bem e o Mal, dizem, são ideias superadas que em breve poderão ir para um museu de conceitos ultrapassados, pois são algo que não se sustenta mais, que não combina com o nosso tempo, ao sopro da moderníssima e “salutar” indefinição de tudo. O Bem e o Mal seriam dois preconceitos de antigamente…
O importante é, como se diz de maneira horrível, cada um “na sua”.
Entretanto, o pressuposto da moralidade é o senso da oposição entre o Bem e o Mal. Ou seja, as coisas ou são boas ou são más, e não podem ser uma e outra coisa ao mesmo tempo. Mas na ânsia de integrar todas as coisas umas nas outras, depois de termos assistido à tentativa de integração do Belo com o Feio, da Verdade com o Erro, não causa mais espanto a constatação de que se deseja juntar o Bem e o Mal em um só magma, um só pirão.
Na realidade, vai ficando cada vez mais difícil distinguir, por exemplo, uma esposa legítima de uma concubina ou até de uma prostituta, por sua aparência. E, por outro lado, avança o homossexualismo de massa, tornando superada a antiga figura do pederasta ou da lésbica marginalizados e desprezados.
Tudo aponta para um fato insofismável: os limites entre o Bem e o Mal se borraram, minando a fundo toda a instância moral. Dentro da mentalidade pós-moderna, o mal não existe; é apenas uma “disfunção”.
“Não podemos ser preconceituosos em relação ao Mal e aos maus”, dizem os que têm, conscientemente ou não, essa maneira de pensar. Assim como não se pode, segundo eles, ser homofóbico (quem rejeita o homossexualismo), dentro em breve haverá o malofóbico (o inimigo do Mal), o desordofóbico (quem não gosta da desordem), e o malandrofóbico (quem considera “com preconceito” a malandragem, e, portanto, não a aceita).
Integrar o Bem e o Mal em um só pirão é visto hoje como uma manifestação de sabedoria. Procurar manter a distinção entre o Bem e o Mal tornou-se uma doidice reprovável.
Por exemplo, há sobre o assunto uma nova corrente que “transcende noções antigas”. A ela pertence David K. Marcus, psicólogo da Universidade Estadual de Washington. Segundo essa corrente, “o vício e a virtude, como os dois lados da letra V, podem estar inseparavelmente ligados”. A matéria foi publicada no “New York Times” de 8-4-14 sob o título Cientistas estudam o lado bom da maldade.
Existe até uma espécie de “xingação” para aquele que chama de Bem ao Bem e de Mal ao Mal.“Isso é maniqueísmo”, ou “você é maniqueísta”, afirmam. Supremo horror! Com isso se paralisam instantaneamente os “infratores”. Entretanto, o maniqueísmo — uma péssima heresia do século III — nada tem a ver com a prática de estabelecer a verdadeira e salutar distinção entre o Bem e o Mal.
O maniqueísmo foi uma seita herética fundada por Maniqueu, segundo a qual o demônio não teria sido criado por Deus, mas seria ele mesmo o princípio e a substância do mal.(1)
A distinção entre o Bem e o Mal, como dito acima, é a base do senso moral. Portanto, parte integrante da formação católica. Negar a oposição entre um e outro constitui o auge da imoralidade. E estamos nisso! É o fundamento de um erro chamado relativismo. Este, sim, um perigo real.
Distinguir entre o Bem o Mal sempre foi considerado uma necessidade, desde o fundo da noite dos tempos. Muitíssimo antes, portanto, de Maniqueu — que é do século III. É preceito da Lei Natural, foi consignado por Deus no Decálogo, percorreu todo o Antigo Testamento, foi objeto da divina pregação de Nosso Senhor e faz parte do patrimônio doutrinário e moral da Santa Igreja.
A Sagrada Escritura a todo momento fala dessa necessidade. Lê-se, por exemplo, nas páginas sagradas: “Contra o Mal está o Bem, e contra a morte a vida; assim também contra o homem justo está o pecador. Considera assim todas as obras do Altíssimo. Serão encontradas duas a duas, e uma oposta à outra” (Ecl. 33, 15).
Outro não é o ensinamento dos Papas. Eles dissertaram largamente, em termos claros, sobre a luta entre o Reino de Deus e o de Satanás, e em particular sobre a intensificação dessa luta nos dias atuais.(2)
Seria um não acabar mais analisar os desregramentos filhos do orgulho — mais graves, mais refinados e menos aparentes que os provenientes da sensualidade e intimamente ligados a estes. Os ditames da moral tradicional, expressos nos Dez Mandamentos, estão sendo substituídos pelo socialismo, pelo ambientalismo, por outros itens de sabor hedonista e individualista: “farás apenas aquilo de que gostas, procurarás sempre uma melhor ‘qualidade de vida’”…
Mas desce dos Céus um brado tonitruante: Ai dos que atenuam a oposição que deve haver entre o Bem e o Mal! Os homens serão separados dois a dois: “A uns [Deus] abençoou e exaltou; a outros santificou e tomou para si; e a outros amaldiçoou e humilhou, e expulsou-os, depois de os ter separado” (Ecl. 33, 13).
Devo ser malofóbico, sim! Odeio e devo odiar o mal quanto posso, com muita paz e alegria, e para isso a Religião católica nos convida, sem confusão, com amizade, mas com severidade. Que assim Deus nos conserve, pois isto é amar o Bem!
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Notas:
1. Denzinger, nº 237.
2. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Libreria Editrice Vaticana, Basílica Vaticana, 26 de março de 1981.

4 de maio de 2014

YAVEH, ESSE DEUS HOMOFÓBICO

Ninguém permanece impune, espezinhando os direitos de Deus

Jacinto Flecha

Exerce um papel essencial na formação da personalidade aquele período da vida humana em que a gente se sente movido a questionar, duvidar, contestar, protestar contra tudo e contra todos. Adolescentes aqui, teenagers (de thirteen a nineteen) entre os anglo-saxões, precisam adquirir autoafirmação, e o caminho mais fácil para tanto é contradizer ou desrespeitar o que ensinaram os mestres e modelos da fase anterior. Pretextos para isso não faltam, e a mentalidade ainda em formação não distingue com clareza e profundidade o falso do verdadeiro, o bom do mau, o útil do prejudicial.

Esse pouquinho de filosofância, numa crônica que pretende ser leve, já me basta para atingir com minhas flechas os erros de outros. Não meus, ao menos neste caso concreto, pois sempre fui cauteloso em não contestar ou negar o que aprendi e aceitei como verdadeiro e bom. Mesmo nesse período teen da minha vida, eu analisava, avaliava, ponderava, antes de tomar qualquer atitude que fosse precipitada. Se havia aprendido e aceito o que se ensina no Catecismo, por que haveria de chutar para escanteio o que ele contém? Se a Bíblia relata como verdadeiro o que eu não estava lá para confirmar, por que um recém-saído dos cueiros haveria de duvidar?

Pesava na minha atitude o fato de saber que inúmeros sábios e santos estudaram, esmiuçaram e avaliaram o que ali está escrito, chancelando-o com sua autoridade. Isso me bastava para evitar a contestação pura e simples, desprovida de fundamentos e inspirada apenas no “eu acho que”. E assim permaneci sempre em boa companhia.

Conheci “filósofos” pontificando e sentenciando como exageradas ou erradas algumas ações de Deus (Yaveh, no Antigo Testamento), que extinguiu quase toda a humanidade pelo dilúvio; que afogou no mar Vermelho todo o exército do faraó, para salvar um povo que ainda lhe haveria de ser infiel; que castigou todos os homens, só porque o primeiro deles, Adão, quis comer exatamente aquele fruto proibido; que dotou um brutamontes chamado Sansão com força colossal para dizimar exércitos inimigos; que deu a um menino aquela pontaria certeira e eficiente para matar um gigante; que proibiu Moisés de entrar na terra prometida (depois de enfrentar tanta encrenca numa viagem de quarenta anos no deserto), só porque deu na rocha uma pancadinha extra, por conta própria; que exigiu de Abraão a decisão de assassinar o próprio filho, apenas para comprovar sua obediência e confiança; que destruiu com fogo do céu cinco cidades onde muitos praticavam um ato antinatural, embora ao criar o homem Ele soubesse que alguns poderiam achar atraente essa prática.

Estas avaliações, e muitas outras similares, vieram ao meu encontro no decorrer da vida. Quando apresentadas em formulações capciosas, elas podem impressionar mentalidades em formação, mas nunca me convenceram nem conseguiram abalar ou substituir minhas convicções. O que eu acho, o que você acha, não tem aí nenhum peso, nenhum valor. Muitos começam “achando” alguma coisa, e a partir daí enveredam por caminhos deploráveis. Uma vez deformada a mentalidade, geralmente passam a contestar e recusar o que é adequado e bom para o ser humano, como afirmado por Yaveh no Antigo Testamento e por Jesus Cristo no Evangelho. Daí a considerar justificados os próprios erros, vícios ou pecados, basta um passo. 

Gente com essa mentalidade deformada ou viciosa pode aventurar-se a acusar Deus de vingativo, inclemente, belicoso, injusto. Nesse pretenso tribunal de acusação, recusam obediência a Deus, chegando mesmo a desafiá-lo. Fingem ignorar que, por nos ter criado, Ele tem o direito de exigir nossa adesão aos seus desígnios. Quais desígnios? Os que imprimiu claramente na natureza humana, dando-nos a inteligência para entender, a vontade para decidir e a sensibilidade para executar. Como se isso não bastasse, explicitou por vários meios o que o ser humano deve admitir e praticar.

Negar habitualmente obediência a Deus, pode ser consequência de decisões assumidas em épocas anteriores da vida. Precipitadas, inconsequentes ou levianas como sejam, nunca são isentas de culpa. Se o homem decide contrariar desígnios de Deus, e mesmo desafiá-lo ostensivamente, não vejo como reclamar da punição que Ele aplique. Injusto?! Tirano?! Homofóbico!?

Ninguém permanece impune, espezinhando os direitos de Deus. 


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(www.jacintoflecha.blog.br) 
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