29 de janeiro de 2015

Meus filhos, fruto de uma tentação a Deus?

No post anterior (Família numerosa — uma bênção de Deus) prometi publicar duas cartas nas quais as missivistas manifestam perplexidade face às recentes e infelizes declarações sobre as famílias que procriam “como coelhos”. Abaixo segue a carta da Sra. Mónica C. Ars e no próximo post seguirá a carta da Sra. Patrícia Medina — com ambas concordo em gênero, número e grau. 

Meus filhos, fruto de uma tentação a Deus?

Mónica C. Ars 
"Adelante la Fe", 20-1-2015 
Tradução de Hélio Dias Viana 

Não sei se cada dia estou mais atônita, indignada, entristecida... Faz tempo que não sei como qualificar meu estado de ânimo. Mas o que sim, posso assegurar, é que ontem foi uma jornada negra, dessas que recordarei durante muito tempo. Jamais pensei que poderia chegar a sentir-me desprezada pelo Santo Padre, e, entretanto, foi assim. Que não era essa a sua intenção, creio que não. Mas que foi esse o resultado, sim, foi. 

Suponho que os leitores de Adelantelafe saberão a razão. Jamais escondi que sou mãe de cinco filhos maravilhosos. Sempre os considerei minha “coroa”, meus presentes de Deus, minhas bênçãos. Eu os tenho exibido com orgulho, não por considerá-los meus (pois não são), mas porque sempre os senti como presentes de Deus, confiados a nós (os pais) para os devolver algum dia. 

Entendi há tempo que os filhos não são fruto da decisão dos pais, mas de Deus. “Antes de que estivesses no ventre materno, eu já te conhecia”, assim diz o Senhor. Todos estivemos na mente de Deus desde a Eternidade, por isso nenhuma criança é um erro para Deus. O contrário do que nos quer convencer agora esta sociedade egoísta. Pode acontecer de um nascimento não se dar nas melhores circunstâncias, mas “erro”, jamais. “Deus sempre escreve certo com linhas tortas”, diz-se. 

Nós cristãos defendemos a vida como resultado da vontade de Deus. Por isso, defendemo-la quando aos olhos do mundo ela é indefensável: no caso de violações, no caso de malformações, no caso de perigo para a mãe durante a gravidez... Somos escândalo para o mundo porque, para nós, todo filho é uma bênção de Deus. 

Daí meu estupor quando ouvi as infelizes palavras do Santo Padre: “Há os que creem que para sermos bons católicos devemos ser – perdoem-me a expressão – como coelhos”. 

Santo Padre, era realmente necessária essa expressão? O senhor conhecia a carga significativa que ela tinha, de fato pediu perdão antes de usá-la. E eu me pergunto: ter muitos filhos é agir “como coelhos”? Pensamos que o Santo Padre quis dizer (já começo com interpretações) que os coelhos não têm vontade para engendrar, que simplesmente atuam segundo critérios da Natureza. Muito bem, talvez quis dizer isso. Mas não deixa de surpreender-me que o ato de conceber um filho se “animalizara” de tal forma. Porque a alma humana tem um valor infinito para Deus. E toda alma humana é única, de valor incalculável. Coelhos? Santo Padre, não. O mundo pensa isso, o cristão, não.

O cristão não deve fazer “filhos em série” – continuou [o Papa Francisco] ontem no avião. 

Que duras palavras! Uma coisa feita em série é algo que carece de valor, porque não é única. Supõe também uma automatização onde não intervém a vontade, a criatividade, o engenho humano; agir como robôs, sem consciência alguma do que está fazendo. “Filhos em série...”

Meus filhos foram feitos em série? Não são únicos para Deus? Dou menor valor ao primeiro pelo fato de ter tido mais? O quinto não é uma bênção de Deus? É um número de série?

Este tipo de expressões eu as ouvi demasiadas vezes na ONU, quando se defende o aborto. Começa-se por coisificar (animalizar) o ser humano e acaba-se defendendo o indefensável. 

Mas o Santo Padre continuou falando... e comenta que repreendeu uma mãe que estava grávida do oitavo filho, porque tinha sofrido sete cesarianas. “O que quer, deixar órfãos seus filhos? Isso é tentar a Deus!”. 

Santo Padre, o senhor sempre disse que o pastor precisa ter cheiro de ovelha. Tem que estar próximo delas, conhecê-las, sofrer com elas. Se fosse assim, jamais teria repreendido essa mãe. Eu sofri cinco cesarianas. E o mundo me crucificou. Muito. Mas, ao meu marido, ainda mais. 

Para o mundo, como sou cristã, perdi minha capacidade de decisão e atuo como uma autômata. Deixo-me simplesmente engravidar. E meus filhos, que aguentem! 

Santo Padre, que injusto! Tenho também que ouvi-lo do senhor? Meu pai espiritual? 

Meu marido e eu somos muito conscientes do que fazemos. Meus filhos, também. Cada gravidez que sofri a partir do terceiro, supôs um enorme susto para nós. Não sou um autômata incapaz de pensar. Oxalá fosse! O problema é que, para alguns casais, Deus tem vontade própria. Por mais que o senhor diga que conhece muitos métodos (de verdade?, não naturais?) para evitar uma gravidez, não são métodos infalíveis, menos ainda para alguns casais. 

Precisamente, se a Igreja permite os métodos naturais, é porque sempre se deixa a porta aberta para Deus. E... surpresa, surpresa (porque Deus sempre surpreende), por alguma “estranha” razão, Deus manda filhos a quem coloca sua confiança n’Ele. 

Meu quarto e meu quinto filhos não foram programados. Tampouco são filhos em série. E menos ainda foram fruto do nosso tentar a Deus. Ou sim? Escutamos os ensinamentos da Igreja e, apesar das ENORMES pressões que recebemos (inclusive dentro da própria Igreja) para usar métodos não naturais, apesar do perigo para a minha saúde, pusemos a nossa confiança n’Ele. Que passo mais terrível! Quão duro é!

Como se pode acusar um casal de querer deixar órfãos seus filhos? Eu mesma ouvi essa frase da boca de muita gente. E dói! Como pode [o senhor] acusar tão duramente essa mãe? Eu não quero deixar órfãos meus filhos! Ninguém quer! Mas... creio em Deus. Creio em sua vontade. E confio n’Ele. Inclusive às custas de minha própria vida. Não o disse o próprio Jesus: “Não há ninguém mais feliz do que quem da a vida por um amigo”? Por acaso isso não é transferível aos filhos?

Cada dia de minhas últimas gravidezes fui consciente de que podia ser o derradeiro. Meu marido, também. Não me subestime pensando que sou uma autômata submetida a uma religião sem fundamento. Se tivesse escutado essa mãe, teria ouvido a sua luta diária para continuar confiando em Deus. No duro que é. No difícil que é. Sobretudo num mundo onde é tão fácil ir a uma farmácia e solicitar um contraceptivo. Não necessitamos de sua recriminação (o mundo já no-la dá), necessitamos de seu apoio. Porque é uma decisão difícil, diária, que pesa. 


E sabe? Meu quarto filho nasceu em dezembro. No dia do parto eu havia me preparado. Tinha me confessado e ido à missa com meu marido. Quando me levaram de maca para a sala de partos, apareceu um coro de crianças. Tinham ido ao hospital cantar villancicos [músicas natalinas] para os pacientes. Fizeram um corredor e cantaram... Sim, cantaram! Depois, desceram até a sala de partos, e os médicos abriram as portas para que eu pudesse escutá-los. Meu filho nasceu às 12 (hora do Angelus) sob os cânticos “Nasceu Emanuel”. A enfermeira (que absolutamente não me conhecia), quando o colheu nos braços, emocionou-se e sussurrou ao meu ouvido: “Na verdade, este é um presente de Deus”. E estou de acordo com ela. Meu quinto filho também é de dezembro. E sabe? “Curiosamente”, também recebeu as canções das crianças. Eu sobrenaturalizei os meus partos. Maria esteve presente neles. Senti a comunhão dos Santos... Por favor, não lhes tire a sobrenaturalidade. O mundo já o faz. 

Maria tentou a Deus? Se tivesse escutado o mundo, Jesus não teria nascido. Mas depositou sua confiança em Deus. Confiou. Foi generosa. 

Finalmente, um apontamento. Meus filhos sabiam do perigo que eu corria. Nunca o escondi. Rezaram por mim e pelos seus irmãozinhos. E, neste verão, quando fomos a Lourdes para agradecer a Maria pelo parto sem incidentes, sabe o que meu filho mais velho pediu? Outro irmãozinho! 

Creio que uma criança pode nos ensinar muito. Meu filho ensinou-me generosidade. E valor. Santo Padre, escute as suas ovelhas, por favor, porque nos sentimos perdidas. Que queira ir atrás das que estão fora do redil, fenomenal!, mas não se esqueça das que estamos dentro. Talvez, agora mais do que nunca, estejamos necessitadas de um bom pastor. 

Um comentário:

Pati Hoshikawa disse...

Fiquei emocionada com a carta da Monica e também eu como mãe e católica comungo com a posição dela e transmito-lhe um abraço confortante. No início, quando ví o Papa aparecer naquela janela do Vaticano logo depois da escolha pelos cardeais, fiquei contente e senti algo imaginando que o novo papa poderia melhorar a situação da crise, mas agora vejo que ele é a própria crise. Monica e todas mães católicas: vamos nos unir em oração pedindo a Deus que Ele salve-nos desta crise que está bagunçando a igreja. Maria é nossa mãe e nos reconforta.